Parente de vítima diz que sumiram três filhos de guerrilheiros com moradoras da região
Bernardo Mello Franco Enviado especial
MARABÁ (PA). A exemplo do que ocorreu na Argentina, a ditadura militar brasileira é acusada de sequestrar três crianças durante a Guerrilha do Araguaia (1972-1975). A acusação foi feita ontem pela empresária Mercês Castro, irmã do desaparecido político Antonio Theodoro de Castro, o Raul, depois de ouvir relatos de mateiros que, na ocasião, acompanharam as tropas do Exército. Um dos bebês seria fruto de relacionamento entre o guerrilheiro e uma moradora da região, ainda não localizada.
Segundo os relatos dos camponeses, os guerrilheiros deixaram oito filhos na região, incluindo os três que teriam sido raptados na fase final do conflito no Araguaia, que matou 69 guerrilheiros. A acusação, que convenceu integrantes civis do grupo que busca ossadas na área, pode abrir uma nova polêmica na discussão sobre o episódio.
— Agora, vai começar outra luta. Queremos saber onde estão essas crianças — disse Mercês Castro.
A empresária já tinha ouvido depoimentos de camponeses sobre o suposto rapto de uma filha de Raul, com idade entre oito e nove meses. No domingo, a versão foi confirmada a ela pelo mateiro José Maria Alves da Silva, o Zé Catingueiro.
Ele acusou os militares de sequestrar mais duas crianças: uma menina negra de 4 anos, que seria filha do guerrilheiro Osvaldo Orlando Costa, o Osvaldão; e uma terceira cujo pai ele não identificou.
Mateiro diz ter visto cicatriz no tórax do guerrilheiro Para Mercês, o Zé Catingueiro foi testemunha da morte e do enterro clandestino do corpo do irmão dela. Mercês ficou convencida quando o mateiro fez referência a uma cicatriz no tórax do guerrilheiro, consequência de uma cirurgia no pulmão, que Raul não gostava de exibir.
Zé Catingueiro atribuiu a morte do guerrilheiro, na época com 25 anos, ao major Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió. Disse que Raul foi morto pelo oficial com um tiro no rosto. Depois, soldados teriam metralhado Raul e um outro preso, Cilon da Silva Brun, o Simão. As execuções teriam ocorrido no fim de 1974, e os corpos estariam enterrados na Fazenda Matrinchã, em Brejo Grande (PA). Emocionada, Mercês disse ter ódio de Curió, e defendeu a abertura de processos contra militares.
— Não o chamo de Curió para não ofender o pássaro. Para mim, ele é um psicopata, um doente. Ele fazia o trabalho sujo, e fazia com prazer.
Paulo Fonteles Filho, que representa o governo do Pará nas buscas, ouviu o depoimento de Zé Catingueiro e disse acreditar na acusação.
— É uma denúncia muito grave, que precisa ser investigada.
As histórias de sequestro de crianças correm há algum tempo, mas nunca tinham sido contadas com tanta clareza. As famílias e a sociedade brasileira precisam saber a verdade.
Um relatório entregue por Curió ao jornal “O Estado de S.Paulo”, mês passado, já indicava o sequestro de um filho de Osvaldão, em 1972.
Jobim entrega comando das buscas a civis Ontem, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, entregou a assessores civis o comando das buscas. Nomeou o consultor Cleso Fonseca Filho coordenadorgeral, Vilson Vedana coordenadorsubstituto, e Edmundo Muller Neto coordenador dos trabalhos de campo. O general Mário Lúcio Alves de Araújo virou chefe da equipe de apoio logístico, função que ele já dizia desempenhar, apesar de figurar formalmente como coordenador da equipe.
O Globo, 14 de julho de 2009
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