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May 9, 2009
Quintanilha e os sábados na periferia
Brasileiro, que Aldir Blanc define como 'Rossellini tupiniquim', desenha na Espanha e faz crônica visual de temas brasileiros
Jotabê Medeiros
Algumas vezes, o leitor de periódicos espanhóis como El País e La Vanguardia vai encontrar ilustrações nas páginas daqueles jornais assinadas por Marcelo Quintanilha. Freelancer que vive em Barcelona desde o início dos anos 2000, o brasileiro Quintanilha já assinou histórias no Brasil sob o pseudônimo Marcello Gaú.
Diz que foi para a Espanha primeiro porque adora a cidade onde vive, e não propriamente em busca de um Eldorado da ilustração. "O mercado espanhol não está muitos passos na frente do mercado brasileiro no que diz respeito a quadrinhos. Aqui, da mesma forma que no Brasil, as principais editoras concentram seus esforços em editar material norte-americano, francês ou japonês", ele pondera.
Considerado pelo letrista Aldir Blanc como "o Rossellini tupiniquim", por causa de seu estilo realista, ele elaborou sofisticadas crônicas visuais em seu novo trabalho, Sábado dos Meus Amores (lançamento da Editora Conrad). As histórias são simples, mas possibilitam mergulhos vertiginosos na natureza nacional.
"O aspecto principal do meu trabalho é lidar com temas como futebol, desamores, cotidiano de bairros populares que são sempre recorrentes nas minhas histórias e que estão intimamente ligados à vida brasileira. E minha intenção é a comunicação; chegar até pessoas que se identifiquem com esse universo, que o reconheçam como parte de si mesmas", diz o autor.
Há também um grande componente lírico na obra Sábado dos Meus Amores, para que os leitores não pensem que o título não tem cabimento. O amor de uma moça simples semianalfabeta por um pescador sagaz é especialmente tocante. "Tiago é macumbeiro eu sou evangélica mas eu vou rezar pra Iemanjá trazer o barco dele de volta são e salvo", ela escreve em sua cartilha.
O trabalho de Quintanilha está mais impregnado de Brasil do que da maioria dos autores contemporâneos. Foi ele o escolhido, na série de álbuns que mostravam cidades brasileiras, para desenhar Salvador, na Bahia, num projeto especial da editora Casa 21 (o francês Jano desenhou o Rio de Janeiro e o inglês David Lloyd desenhou São Paulo).
Ainda assim, raros trabalhos parecem se inserir com tanta sem-cerimônia no universo visual das HQs europeias - por vezes, lembra muito Miguelanxo Prado, gênio da Galícia. Ele parece dar seguimento a uma tradição que foi brilhantemente iniciada com pioneiros como Ângelo Agostini e depois Jayme Cortez e Flavio Colin.
"Como meus mestres, se podemos dizer dessa forma, posso citar artistas como John Buscema, Garcia-Lopez, François Boucq, Crepax, E. P. Jacobs ou Frank Hampson", ele afirma. Ou seja: ele vai de Conan, o Bárbaro, ao erotismo voyeurístico de Valentina. "Flavio Colin, por outro lado, é uma referência não só para mim, mas para todos os que estão ligados aos quadrinhos no Brasil, pela honestidade que sempre teve para consigo mesmo, assim como para com seus leitores. Por seu amor incondicional aos quadrinhos, por seu estilo único, que só poderia ser definido se se pudesse traduzir em papel a madeira entalhada."
Além de trabalhar na série de quadrinhos Sept Balles Pour Oxford, em parceria com Jorge Zentner e Montecarlo (para a editora belga Editions du Lombard), ele faz ilustrações para revistas brasileiras e foi premiado nas bienais de quadrinhos do Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Também colabora com a revista virtual Zé Pereira, que tem várias HQs dele postadas (http://www.revistazepereira.com.br/category/hq/).
Quintanilha, que já tem mais de 20 anos de carreira, sempre se batendo para publicar num mercado rarefeito, não avalia com entusiasmo desmesurado o momento brasileiro de quadrinhos. "Esse mercado ainda é incipiente e as iniciativas de muitas editoras em lançar títulos na esteira da visibilidade que os quadrinhos têm hoje não necessariamente colabora para sua consolidação. É difícil dizer o que pode decorrer do momento que vivem os quadrinhos no Brasil, quando os títulos migram cada vez mais para as livrarias e lojas especializadas, mas, sem dúvida, pode ser um passo importante para conquistar novos leitores."
Perfil
Marcelo Quintanilha nasceu em Niterói (1971), e já desenhou para Heavy Metal, General e Nervos de Aço. Em 1999, saiu seu primeiro álbum ilustrado, Fealdade de Fabiano Gorila.
Estadão, 9 de maio de 2009
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