January 16, 2009

Onde quer que eu vá, ouço as mesmas comparações gastas

[se preferir ler no original sem a condensação do globo, clique aqui]


Robert Fisk

Tudo depende de onde se vive.


É a geografia da propaganda israelense, projetada para mostrar que nós — liberais vivendo em nossas seguras casas ocidentais — não compreendemos o horror das 20 mortes israelenses em dez anos e os milhares de foguetes e o trauma de viver perto de Gaza.


Esqueçam os mil palestinos mortos; viajar dos dois lados do Atlântico nestas semanas tem sido uma experiência instrutiva — para não dizer estranhamente repetitiva.


Eu estava em Toronto quando abri o “National Post” e vi Lorne Gunter tentando explicar como é se sentir sob o ataque de foguetes palestinos.


“Suponha que você viva no subúrbio de Don Mills, em Toronto”, escreve Gunter, “e moradores de Scarborough disparem cem foguetes por dia contra o seu quintal, a escola de seu filho”. Entendeu a mensagem? As pessoas de Scarborough são menos privilegiadas, geralmente imigrantes — muitos do Afeganistão — enquanto que os moradores de Don Mills são de classe média.
Nada como enfiar a faca na sociedade multicultural do Canadá para mostrar como Israel está sendo justo ao revidar.


Dias depois estou em Dublin.
Abro “The Irish Times” e uma carta do embaixador israelense tenta explicar como é ficar sob o ataque de foguetes palestinos. Já sabe o que vem a seguir? “O que você faria”, pergunta Zion Evrony, “se Dublin fosse alvo de oito mil foguetes...” E por aí vai. Desnecessário dizer que estou esperando que os mesmos escritores perguntem como nos sentiríamos se ficássemos sob ataque de aviões supersônicos e tanques e milhares de soldados que bombardeiam 40 mulheres e crianças numa escola e em uma semana matam centenas de civis.


Na Irlanda, minha justificativa jornalística favorita veio de Kevin Myers. “O número de mortos em Gaza, claro, é chocante.
Mas não se compara ao número de israelenses caso o Hamas seguisse seu curso.” Entendeu? O massacre em Gaza é justificado porque o Hamas faria o mesmo se pudesse, mesmo que não tenha feito.


Isso fez Fintan O’Toole, do “Irish Times”, dizer o impronunciável: “Quando vai expirar o mandato para vitimar? Quando o genocídio de judeus deixará de livrar Israel das exigências da lei internacional?” Tive um momento interessante numa palestra em Derry, quando uma pessoa na plateia perguntou se os Acordos da Sexta-feira Santa continham lições para o Oriente Médio. Sugeri que acordos de paz locais não são bons viajantes.


Terminei a semana numa discussão na BBC na qual um sujeito do “Jerusalem Post”, um da Al-Jazeera, um acadêmico britânico e Fisk dançaram os passos habituais em torno da catástrofe de Gaza. O momento em que mencionei as centenas de palestinos mortos e os 20 israelenses foi grotesco. Ouvintes pró-Israel me condenaram por sugerir (o que não fiz) que apenas 20 israelenses morreram em dez anos. Naturalmente, centenas de israelenses fora de Gaza morreram — mas também milhares de palestinos.


Meu momento favorito veio quando disse que jornalistas deveriam ficar do lado dos que sofrem. Se estivéssemos cobrindo o comércio de escravos no século XVIII, não daríamos tempo igual para o capitão do navio negreiro na cobertura.
Se fosse a libertação de um campo de concentração nazista, não daríamos o mesmo tempo para a SS. Nesse ponto, um jornalista do “Jewish Telegraph”, em Praga, respondeu que “o Exército israelense não é Hitler”. Mas quem disse que era?

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