Vivemos uma ofensiva conservadora; sucessão de escândalos e trapaças está longe de ser obra do acaso
Acreditar que a Polícia Federal americana esteja interessada em varrer a
roubalheira mundial é tão verdadeiro quanto imaginar a Fifa vítima de
uma conspiração da Casa Branca. Assistimos, isto sim, a mais um trecho
de uma crise que se arrasta desde 2008. Como reconhece o próprio FMI, os
efeitos do crash estão longe, muito longe, de terem sido eliminados.O crescimento medíocre da economia mundial, aberrações como o Estado Islâmico, o cerco militar a imigrantes na Europa, o aperto do garrote sobre a Grécia --tudo caminha sempre na mesma direção. O capitalismo "vencedor" é obrigado a raspar o fundo do tacho para tentar sair da enrascada criada por ele mesmo.
Pensar que um país onde um presidente ganhou eleições numa fraude descarada (Bush x Gore), que patrocinou uma quebradeira mundial e espalha o terror "oficial" planeta afora seja um modelo de Justiça é abusar da credulidade popular. Obama aperta a mão de Raúl Castro. Comemoração geral. Distensão no mundo. Quem propaga esta versão só está jogando para a plateia e sonhando com a volta dos velhos tempos de Fulgêncio Batista.
Preto no branco, Cuba é um mercado que não pode ser desprezado neste período de vacas magras. O castrismo, versão tropical do stalinismo, agradece. A partir de agora, terá como seu aliado a turma de Washington na destruição das poucas conquistas sociais obtidas na ilha caribenha. Entre endurecer e a ternura, Havana decidiu amolecer sem resistir --menos com a oposição interna, bem entendido.
Já a máfia do futebol é tão velha quanto a roda. Que a Fifa, CBF, Uefa, Concacaf e demais siglas sempre ficam com o pão enquanto oferecem o circo é sabido de todos. Vamos falar sério: um presidente da CBF, José Maria Marin, rouba medalhas ao vivo e é homenageado pela elite brasileira. Assina contratos milionários com larápios destacados da mídia doméstica e fica tudo por isso mesmo. Alguma hora um novo escândalo tinha que estourar. Quando um bandido quer ganhar mais do que outro, é impossível abafar o barulho.
Vivemos uma ofensiva conservadora. Internacional, e em todos os campos, de futebol e fora deles. Veja-se o que ocorre no Congresso brasileiro. Sem a menor cerimônia, Eduardo Blatter Cunha tabela com Gilmar Del Nero Mendes e trapaceia o regimento, a Constituição, para garantir o controle do grande capital sobre os destinos do país.
A dita situação, ou oposição, ajuda. Deixou para discursos reservados a plataforma de uma Constituinte sobre a reforma política. Que diabo é esse de financiamento público de campanhas? Partido que é partido sério é sustentado pelos que acreditam nas suas ideias, no seu programa. Ou então se contenta em parasitar a "democracia estatal" ou viver da grana do tubaronato.
Até onde é possível enxergar, o que está ruim promete piorar. Quando parlamentares de um partido que se reivindica dos trabalhadores votam a favor do corte de direitos sociais dá para avaliar o tamanho do impasse.
Cabe avisar que os detentores de privilégios não costumam entregar os pontos sem combate. Nem sempre precisam de tanques. Por vias às vezes tortuosas, boa parte do PIB nacional está colocada contra a parede. Empreiteiras, bancos, ministros, chefes do Parlamento, magnatas da mídia, arrivistas dos mais variados ""todos aparecem misturados no liquidificador de falcatruas.
"Um governo moderno é tão somente um comitê que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa". A frase é de 1848, do Manifesto do Partido Comunista. Nunca foi tão atual. Esperemos o desfecho.
Ricardo Melo
Folha de São Paulo, 1 de junho de 2015